domingo, março 27, 2005

T-Model Ford esteve por cá...


Blues’ em estado selvagem

T-Model Ford é um dos nomes mais sonantes do blues actual. Com cerca de 85 anos,
o bluesman que é pai de quase trinta filhos, foi mais um achado da Fat Possum Records..
De nome real James Lewis Carter, T-Model Ford é tão efusivo quanto a idade ainda permite, e na conversa de quase uma hora, existiram dois temas recorrentes: a sua paixão por mulheres e o facto de ser “the boss of the blues”. T-Model Ford foi o nome mais emblemático do cartaz da terceira edição do Coimbra em Blues, o Festival Internacional de Blues de Coimbra, que se realizou nos dias 17, 18 e 19.


Quem é então T-Model Ford?
Sou o maior bluesman. O “boss do blues”. Muita gente não sabe, mas o meu nome real é James Lewis Cárter. T-Model Ford foi o nome que um branco me deu há uns anos e é assim eu todos me conhecem. Nasci e foi criado em Forrest, no Mississippi. Nunca fui à escola um único dia na minha vida. Não sei ler, nem escrever, mas sei assinar quando chegam os cheques. Dizem que tenho 84 anos, mas nem sei bem. Mas ainda não desisti, ainda estou forte.

Porque razão começou a tocar blues tão tarde na sua vida?
Um dia tive uma mulher que estava sempre a sair de casa. Não sei porquê, mas estava sempre a fugir de casa e a levar os nossos filhos. Sempre que saía eu ia buscá-la. Um dia, tinha eu quase 60 anos, comprou-me uma guitarra e um amplificador. Ainda lhe perguntei porque razão andava a gastar o meu dinheiro naquelas porcarias, porque nem sabia tocar guitarra, mas ela disse que tinha de começar a aprender então. Um dia, voltou a sair de casa e resolvi não a ir buscar mais. Quando o carro ainda se estava a afastar voltei para casa e liguei o amplificador. Andei a mexer nos botões até que a guitarra começou a fazer som. Em pouco tempo comecei a tocar duas músicas. Uma do Muddy Waters e outro do Howlin’ Wolf. Um dia, enquanto estava a tocar, apareceram lá m casa duas mulheres. Uma delas estava zangada com o namorado. Acabaram por ficar lá a noite toda. Eu sabia que tocava bem, não sabia era que era mesmo tão bom.

O que se passou realmente para ter sido condenado por homicídio quando tinha 18 anos?
Bem, fui a um bar onde estava um homem mais velho. Eu era um rapaz na altura, um bom rapaz. Ele estava a beber com umas mulheres e disse-me que me pagava as bebidas. No final da noite, atacou-me por trás e cortou-me com uma faca no pescoço. Eu na altura era como um raio.e tirei do bolso a minha faca, abria-a com os dentes e cortei-o no pescoço. Ele acabou por morrer. A polícia ainda demorou dois dias a encontrar-me, e quando me prenderam nem foram preciso algemas. Eu fui para o tribunal e para a prisão sem algemas porque era um bom rapaz. Vocês tratem bem as mulheres e sejam bons rapazes como eu fui. Estive só dois anos na prisão por bom comportamento, mas passei esses dois anos de grilhetas. Ainda tenho as cicatrizes nos calcanhares.

E qual foi a mulher que mais o marcou?
Já tive cinco mulheres, e tenho quase 30 filhos, alguns com mulheres com quem nem era casado. Uma vez uma senhora branca disse-me que já tinha estado com mais de 100 mulheres. Não sei, mas já estive com mulheres brancas e tudo. A mulher de quem me vou lembrar sempre chamava-se Jessie Mae. Morreu nos meus braços. Eu não sabia, mas ela estava grávida de mim. Como era casada, queria livrar-se do bebé. Sem eu saber, tomou uns comprimidos que outra mulher lhe deu. Acabou por morrer nos meus braços, porque não quis ir ao hospital. Morreu aqui, assim [levando mas mãos ao peito].


E como começou a gravar para a Fat Possum?

O Bruce e o Matt da Fat Possum foram-me ver tocar duas vezes. Acabaram por me convencer a gravar um disco e tenho estado com eles desde então. Sou o maior bluesman e já estive em todo o mundo. E eles tratam-me muito bem. Fizeram-me ter confiança no homem branco. (excerto de entrevista realizada a T-Model Ford, em Coimbra, antes de encerrar a terceira edição do Coimbra em Blues - Festival Internacional de Blues de Coimbra)